25 de setembro de 2008

Pérolas do saber cachacístico

Se o Papa de Roma soubesse o gosto que a cana tem,
deixava Roma sem Papa e bebia cana também.

Macaco velho não se engana.
Te afasta, alma, que lá vai cana.

Cachaça, não se faça de besta:
desça pra barriga, e não suba pra cabeça.

Água pra mim, só se for ardente.
Nela eu tomo banho e até escovo os dente.

A cachaça, essa eterna incompreendida

- Caipirinha? Não, está muito cedo para beber cachaça. Me vê uma caipivodka!

Se eu ganhasse uma caipirinha para cada vez que já ouvi uma frase parecida com essa, seria um homem feliz. Existe em nosso país, de maneira geral, um certo preconceito contra a cachaça. Não é apenas uma questão social, de vincular a cachaça ao pinguço do bar da esquina ou ao capiau da roça -há também um preconceito químico contra a pobre bebida, que faz com que as pessoas tenham a impressão de que ela é mais forte ou mais prejudicial ao cérebro do que a vodka ou outros destilados.

Uma coisa é certa: existe muita cachaça de má qualidade por aí. Provavelmente é a bebida que tem mais marcas picaretas no mercado brasileiro, seguida de longe pela vodka. E provavelmente o que acontece é que as pessoas costumam pedir caipirinha sem perguntar antes qual é a marca da cachaça. Os bares e restaurantes, em sua eterna busca pelo lucro máximo, costumam fazer caipirinha com a cachaça mais barata em que puderem pôr as mãos, e quem paga a conta é o estômago do pobre cliente.

Isso é outra lenda muito errada no nosso Brasil: muita gente gosta de dizer, repetindo sem pensar, que "caipirinha se faz é com cachaça ruim", como se a cachaça boa fosse tão rara que só devesse ser bebida pura. Muita gente aplica esse mesmo raciocínio a outras bebidas também, e se recusa a fazer misturas com vodkas importadas, por exemplo. Sempre me xingam nos bares porque bebo Jack Daniel's com Coca-Cola! Mas que excesso de humildade é esse que impede que nós, brasileiros, bebamos destilados de boa qualidade em nossas misturas, e nos obriga a só fazer caipirinha com cachaça vagabunda? Será que nossos pobres organismos não merecem um tratamento melhor?

Claro que você não precisa desperdiçar uma dose de Anísio Santiago para fazer uma caipirinha, mas daí a beber monstruosidades engarrafadas como Seleta, Pirassununga 51 (ou pior ainda - 21), Vila Velha e outros venenos, é um caminho comprido demais. Por que não fazer caipirinha com uma boa cachaça de pequena produção, que não seja totalmente artesanal (o que costuma encarecer o produto) mas que também não seja o produto de uma mega indústria que produz milhões de litros de pinga por ano?

O maior problema das cachaças industrializadas é que elas são fabricadas em equipamentos de metal, e não passam pelo processo tradicional de envelhecimento em tonel de madeira. A cachaça, assim como outros destilados, ganha muito em sabor e qualidade quando é envelhecida em tonel de madeira, e os especialistas na bebida (estou longe de ser um deles, sou apenas um mero apreciador de caipirinhas!) escolhem a marca que vão beber pela madeira e pelo tempo que a cachaça foi envelhecida.

Dá para reconhecer uma boa cachaça só de olhar para ela e sentir seu cheiro. A cachaça envelhecida, assim como outros destilados, é amarelada, e não transparente. Quando é servida no copo, faz pouca ou nenhuma espuma, e é encorpada. A cachaça de má qualidade é muito líquida e volátil - uma bebida "mole", transparente como água, e que costuma fazer uma espuminha em volta do copo. Basta servir um copo de 51 ao lado de um copo de Vale Verde e a diferença aparece na hora. Uma boa cafungada no copo também ajuda na escolha.

Acredito que a cachaça Vale Verde seja a melhor relação custo-benefício do mercado atual de cachaças. As caipirinhas feitas com ela descem macias, e dá para bebê-la até mesmo pura. Aqui perto de Belo Horizonte você pode visitar a fábrica dela, e até mesmo fazer a sua festa de casamento lá! Recentemente ela foi eleita pela Playboy como a melhor cachaça do Brasil - provavelmente porque eles levaram em conta não apenas o sabor mas também o preço.

Infelizmente a Vale Verde não é muito conhecida fora de Belo Horizonte, então se você está lendo este artigo em outra região, a melhor recomendação que eu posso fazer é que você procure a cearense Ypióca Ouro. É a melhor cachaça industrializada do Brasil - apesar de ser feita em uma grande fábrica, ela passa pelo processo de envelhecimento na madeira, e tem um sabor bem mais agradável do que de qualquer outra concorrente nessa faixa de mercado, inclusive da própria Ypióca Prata. Ao contrário de suas concorrentes mais toscas, ambas as modalidades de Ypióca são envelhecidas em tonel de madeira durante dois anos - a Prata em tonel de bálsamo, e a Ouro em tonel de freijó. É fácil reconhecer a danada no supermercado: é aquela cuja garrafa é coberta com uma palhinha trançada e no rótulo tem um tiozão barbudo de gola rolê.

Se você estiver a fim de investir uma boa grana e ter uma agradabilíssima surpresa, pode desenbolsar uns R$ 262,99 e comprar uma garrafa de 600ml de Anísio Santiago, a melhor cachaça do mundo. É um ótimo presente para humilhar gringos que chamam cachaça de "brazilian rum". Eu já bebi dela uma vez, e posso garantir que nunca experimente nada igual. Parece cachaça misturada com mel - só que não tem mel.

Existe ainda uma tal de Sagatiba Preciosa que custa quase R$ 500,00 mas, francamente, um bom mineiro como eu se recusa a dar 1 centavo que seja para a fábrica da Sagatiba. Quem já bebeu um gole da Sagatiba normal sabe muito bem que aquilo é qualquer outra coisa que não cachaça.

E nunca se esqueça: fique longe da Seleta! Aquilo é o xixi do capeta!